Por que liderança é um assunto muito sério?

13/12/2016

Por que liderança é um assunto muito sério?

Não existem cursos miraculosos para desenvolver líderes porque o primeiro requisito para esta finalidade é a DEFINIÇÃO CLARA DA CULTURA ORGANIZACIONAL. Cultura é o conjunto de valores aceito pela empresa. Cultura tem duas perspectivas:

I – É o que se deseja ser, por isto deve haver um cultivo dos valores pretendidos. A empresa está cultivando isto ou aquilo. Cultura é, portanto, o que se cultiva, a meta para os comportamentos.

II – É o que se venera, é o que se considera sagrado na organização. A empresa presta culto a alguns valores dos seus fundadores, por exemplo. Cultura é, portanto, o que se cultua.

Cultura é cultivo e culto. Se não for entendida pela direção e praticada desta forma pelo topo, não há curso de liderança que resolva.



Um dos sonhos mais acalentados por acionistas e presidentes é ter líderes espetaculares tocando a empresa. Por outro lado, o ditado antigo “a cultura come a estratégia no café da manhã” se aplica a todas as empresas. Qual é, então, a relação entre o sonho de ter líderes espetaculares e a cultura organizacional? É uma relação muito forte e pouco percebida pelos executivos mais experientes. Muitas empresas buscam milagres, o mito do “líder feito”, alguém no mercado dotado de talentos excepcionais ou o decadente conceito de “trainees”, segundo o qual jovens brilhantes poderão rapidamente assumir o comando de áreas importantes. Nem líderes feitos nem trainees, se a cultura organizacional não tiver a sua face claramente delineada e comunicada em toda a companhia. A liderança, sob esta perspectiva, inicia nos acionistas. Se 

eles não definirem especificamente suas crenças e valores, nada feito. A empresa será um cemitério de líderes. O que estou afirmando é que liderança vem do binômio “cultura organizacional – perfil dos gestores” e não apenas dos atributos dos tais líderes salvadores.  

Exemplo prático: o gestor ordenou, em um treinamento, que todos os celulares fossem deixados fora da sala. A direção, alarmada por um analista de RH, ordenou o contrário, desautorizando o gestor e estabelecendo forte confusão na cabeça de todos.  

Outro exemplo verdadeiro: um representante comercial falou muito mal da qualidade dos produtos da empresa que ele próprio representa para um importante cliente. Quando soube do fato, o gerente de vendas demitiu imediatamente o representante. Duas semanas mais tarde, a diretoria readmitiu-o, alegando que ele era o campeão de vendas e a empresa deveria aturar alguns desaforos.  

O somatório destas incoerências diárias vence completamente qualquer curso ou teoria sobre liderança. Acaba com qualquer “líder feito” contratado no mercado ou com qualquer jovem trainee brilhante desenvolvido internamente. Ou seja, a cultura organizacional vem antes da busca por lideranças. Há diferentes culturas e há diferentes líderes, portanto. Há também culturas confusas, estropiadas, nas quais nem os acionistas acreditam. Como pessoas são engajadas através do exemplo e não pelas palavras, o resultado de uma cultura confusa sempre é desastroso. Pregue o que você pratica e nunca o contrário. Conheço centenas de empresas onde acionistas e principais executivos não dão a mínima importância para o tema “cultura” e todas suas implicações. Nunca leram sobre o assunto e desprezam qualquer evidência sobre sua importância. Tentam resolver problemas sérios da empresa apenas com dinheiro, investindo em softwares, linhas de produção, automação e toda sorte de ativos. Esquecem ou não sabem que com muito pouco dinheiro poderiam obter resultados muito maiores. A história apresenta dezenas de exemplos onde companhias com poucos recursos fizeram milagres. Milagres que não foram milagres, foram o fruto do trabalho engajado de dezenas de pessoas. E como elas estavam tão comprometidas? A cultura permitiu que a liderança florescesse e gerasse equipes com pessoas comuns, mas com alto desempenho. 

Sempre que alguma empresa me pede um treinamento sobre liderança, inicio pelo diagnóstico da cultura organizacional. Por que treinamentos caros e extremamente qualificados frequentemente não surtem qualquer efeito prático nos resultados de uma empresa? Porque 

estão desconectados da cultura. E ainda há um outro efeito perverso destes treinamentos: além de drenarem recursos da empresa e não gerarem receita, caixa ou lucro, eles desenvolvem uma cultura extremamente perniciosa: a cultura do cinismo. Os gestores percebem a desconexão entre os treinamentos e as práticas do topo e simplesmente não acreditam em nada, apenas vão com a maré. Se é para a esquerda, vamos para a esquerda. Se é para a direita, é para lá que caminharemos. São os gestores de plástico, adaptáveis às opiniões da diretoria e dos acionistas. Em quase duas décadas de consultoria, participei de inúmeras reuniões decisivas, onde os gestores simplesmente se calaram diante das tolices da turma mais poderosa. Nos corredores, olharam para mim e disseram: “nada disto vai funcionar”, mas cinicamente aplaudiram seus chefes quando decisões idiotas foram tomadas. Cinismo, nada mais do que isto. Jack Welch afirmava que “a falta de franqueza é devastadora para as empresas’, e estava absolutamente certo. Líderes fracos, com equipes fracas e opiniões fracas originam resultados mais fracos ainda.  A cultura devora a estratégia, margens e caixa e acaba com a liderança.