Há alguns anos, assisti a uma montadora de ônibus perder quase toda sua participação no mais importante comprador de ônibus da região porque um gerente de vendas se escondeu atrás de um padrão.
O dono da empresa de ônibus era um senhor que veio da Europa nos anos 50, muito pobre e que exerceu durante algum tempo a profissão de mecânico de ônibus. Juntou um pouco de dinheiro e conseguiu que a montadora financiasse seu primeiro ônibus usado. Conseguiu licença na prefeitura local e iniciou uma trajetória que, após 40 anos, o transformou no maior proprietário de ônibus da região onde atua. Sentia imensa gratidão pela montadora, pois ela foi a única que acreditou nele na época da pobreza. Não admitia sequer ouvir as propostas dos concorrentes que, pelo seu porte, o assediavam constantemente. Nem sequer lia as ofertas dos concorrentes, absolutamente fiel e grato ao fornecedor que fora um dos responsáveis pelo seu sucesso. Seus filhos insistiam para que ele ao menos recebesse os concorrentes da sua querida montadora, mas todos os apelos foram em vão durante duas décadas.
Eis que, um dia em 2002, ao chegar na empresa para prestar consultoria, encontro três ônibus em testes, cada um de um concorrente da montadora estimada pelo proprietário. Os filhos estavam radiantes e negócios já estavam sendo fechados com os novos fornecedores. As propostas eram atraentes nos preços e nas condições de pagamento, pois todos queriam começar finalmente a fornecer para o maior cliente da região, que chegava a comprar 70 ônibus novos cada ano.
O que ocorreu? Perguntei para os filhos, assim que vi a mudança. Eles contaram que seu pai, como sempre fez nos últimos 40 anos, decidiu comprar 40 ônibus de uma só vez, um pedido de cerca de 10 milhões de reais nos valores de hoje. Ligou para a montadora, discutiu características técnicas com a engenharia, especificou os ônibus que desejava comprar e foi ao departamento de vendas para fechar o pedido. Foi atendido no telefone pelo novo gerente nacional de vendas, que entrara na empresa vindo de S. Paulo. Os dois não se conheciam pessoalmente. Feita a negociação e acertado o prazo e valor, o proprietário da empresa de ônibus, como sempre fez, pediu que o pedido fosse faturado para iniciar a produção e disse, como sempre dissera, que enviaria posteriormente as garantias bancárias. O novo gerente interrompeu, então, o negócio e afirmou que, pelo padrão da montadora, tal valor só poderia ser faturado após chegarem as garantias bancárias. O dono dos ônibus protestou e relatou para o entediado gerente de vendas sua história com a montadora e como estas coisas eram feitas fundamentadas na confiança entre ele e a montadora.
Não adiantou, o gerente de vendas permaneceu fiel ao seu padrão. O cliente se irritou, bateu o telefone na cara do gerente, chamou seus filhos e ordenou que as propostas dos concorrentes fossem finalmente consideradas.
O resultado prático foi: a montadora, que antes desta desastrada venda, tinha 100% da conta do maior proprietário de ônibus da região, caiu para 10%, tendo que suar sangue para vender alguma coisa. Esta situação perdura até os dias de hoje. O gerente de vendas nunca mais foi visto nos arredores e sobrou uma grande pergunta: o padrão foi o culpado?
Claro que o padrão não tem culpa de nada. A comédia de erros cometidos pela montadora foi a culpada. Vejamos as falhas:
- Quem foi o idiota que escreveu um padrão que não considerava a existência de clientes VIP, tratando a todos os clientes da mesma forma?
- Quem foi o idiota que não treinou o novo gerente e não o apresentou para seu maior cliente?
- Que espécie de idiota é o novo gerente, que não teve a sensibilidade de procurar apoio na diretoria e sustentou uma desavença por telefone com o maior cliente da sua empresa?
Falhou tudo: falhou o texto do padrão, falhou o treinamento e falhou o perfil do novo gerente. A empresa pagou um preço enorme pela sua incompetência em entender que NINGUÉM PODE SE ESCONDER ATRÁS DE UM PADRÃO. O novo gerente deveria ter perfil suficiente para entender que o padrão que tinha em mãos era burro e que ele precisava pedir ajuda para não brigar com o cliente. Se ele tivesse solicitado 5 minutos no telefonema e fosse procurar a direção teria ouvido: “Vende para ele do jeito que ele quiser”. Por que isto não estava no padrão? Por que o gerente não pediu apoio à diretoria? Repetindo, falhou quem escreveu um texto burro, falhou quem selecionou e falhou quem treinou. A perda colossal foi merecida.
Moral da história: tenha padrões, mas não permita que covardes e acomodados se escondam atrás deles. As pessoas precisam resolver os problemas e melhorar os padrões e não usá-los como escudos para ocultar acomodação e preguiça.